sexta-feira, 9 de junho de 2017

Hoje...

... não foi um bom dia... as vezes é difícil controlar-se... especialmente quando não temos escolhas... mesmo que tenhamos pensado mil vezes de como será...


Dies Irae
Apetece cantar, mas ninguém canta.
Apetece chorar, mas ninguém chora.
Um fantasma levanta
A mão do medo sobre a nossa hora.
 
Apetece gritar, mas ninguém grita.
Apetece fugir, mas ninguém foge.
Um fantasma limita
Todo o futuro a este dia de hoje.


Apetece morrer, mas ninguém morre.
Apetece matar, mas ninguém mata.
Um fantasma percorre
Os motins onde a alma se arrebata.


Oh! maldição do tempo em que vivemos,
Sepultura de grades cinzeladas,
Que deixam ver a vida que não temos
E as angústias paradas!

Miguel Torga

domingo, 4 de junho de 2017

Reinvenção...

A vida só é possível
reinventada.
Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas...
Ah! tudo bolhas
que vem de fundas piscinas
de ilusionismo... mais nada.



Mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possívelreinventada.


Vem a lua, vem, retira
as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços
cheios da tua Figura.

Tudo mentira! Mentira
da lua, na noite escura.



Não te encontro, não te alcanço...
Só no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
Só na treva,
fico: recebida e dada.



Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.



Cecília Meireles

Just listening...

sexta-feira, 2 de junho de 2017

Canção...


Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar
Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.
O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...
Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

Cecília Meireles

Just listening...