terça-feira, 29 de agosto de 2017

Bati no Fundo

Estou cansado!
Não suporto nada
Nem mesmo a almofada.


A minha vida é uma dança
Onde os passos estão trocados
Ou talvez não estejam,
Fui eu quem dançou demais
E como para todos, os passos são iguais
É a idade que não é mesma.


Se dançar não posso
Andar ainda consigo
Mas fui batido por uma lesma
Que fez uma corrida comigo.


Depois, estes últimos dias
O moral bateu no fundo
Para dizer com franqueza
Não sei por quanto tempo
Ainda andarei neste mundo.


Até talvez seja melhor assim
Pois que digo cá para mim
Que para fazer bem o faço mal


Em vez de poder salvar
Fiz com que caíssem no fosso.
E eu encontro-me no escuro
Bem ao fundo de um poço.


Alberto da Fonseca

O Espelho...


Olhei para o meu espelho
E vi um homem que me parecia velho.
Coloquei os meus óculos,
Meu Deus... mas sou eu!

Fiquei incomodado

Não por ser eu!...
A minha consciência interroguei;
Sem óculos, quantas pessoas
Infelizmente eu já mal julguei?

Antes de se julgar quem quer que seja,
Devemos primeiro nos interrogarmos a nós mesmos
e se tivermos consciência, nos julgarmos.
Todos nós sem excepção, temos uma nódoa em qualquer parte.

Alberto da fonseca

Dreams...

Hold fast to dreams
For if dreams die
Life is a broken-winged bird
That cannot fly.
Hold fast to dreams
For when dreams go
Life is a barren field
Frozen with snow.


Langston Hughes

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Chove. Há silêncio, porque a mesma chuva

Chove. Há silêncio, porque a mesma chuva
Não faz ruído senão com sossego.
Chove. O céu dorme. Quando a alma é viúva
Do que não sabe, o sentimento é cego…

Chove. Meu ser (quem sou) renego...
Tão calma é a chuva que se solta no ar
(Nem parece de nuvens) que parece
Que não é chuva, mas um sussurrar
Que de si mesmo, ao sussurrar, se esquece…

Chove. Nada apetece...
Não paira vento, não há céu que eu sinta.
Chove longínqua e indistintamente,
Como uma coisa certa que nos minta,
Como um grande desejo que nos mente.

Chove. Nada em mim sente...

Fernando Pessoa

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Quero...

Quero uma solidão, quero um silêncio,
uma noite de abismo e a alma inconsútil,
para esquecer que vivo - libertar-me
das paredes, de tudo que aprisiona...


atravessar demoras, vencer tempos
pululantes de enredos e tropeços,
quebrar limites, extinguir murmúrios,
deixar cair as frívolas colunas
de alegorias vagamente erguidas...


Ser tua sombra, tua sombra, apenas,
e estar vendo e sonhando à tua sombra
a existência do amor ressuscitada.


Falar contigo pelo deserto.


Cecilia Meireles

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Tristeza não tem fim…

Felicidade, sim...
A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar
Voa tao leve Mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar...


A felicidade do pobre parece
A grande ilusão do carnaval,
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
Pra fazer a fantasia
de rei, ou de pirata, ou jardineira
E tudo se acabar na quarta feira
Tristeza não tem fim Felicidade, sim...


A felicidade é como a gota de orvalho
Numa pétala de flor
Brilha tranquila Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor
A minha felicidade está sonhando
Nos olhos da minha namorada
E como esta noite
Passando, passando...


Em busca da madrugada
Falem baixo por favor
Pra que ela acorde alegre como o dia
Oferecendo beijos de amor
Tristeza não tem fim…


Tom Jobim

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Lido por ai...

O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais; há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde está, que tem saudade… sei lá de quê!

Florbela Espanca

Continuação...

... ou início....
 

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Dorme, que a Vida é Nada!

Dorme, que a vida é nada!
Dorme, que tudo é vão!
Se alguém achou a estrada,
Achou-a em confusão,
Com a alma enganada


Não há lugar nem dia
Para quem quer achar,
Nem paz nem alegria
Para quem, por amar,
Em quem ama confia.


Melhor entre onde os ramos
Tecem docéis sem ser
Ficar como ficamos,
Sem pensar nem querer,
Dando o que nunca damos.


Fernando Pessoa

Mood...

Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
E um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...


Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Como tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais


Não. Cansaço por quê?
É uma sensação abstrata
Da vida concreta —
Qualquer coisa como um grito.


Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como...
Sim, ou por sofrer como...
Isso mesmo, como...


Como quê?...
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço


(Ai, cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!)


Porque oiço, vejo.
Confesso: é cansaço!...


Álvaro de Campos

terça-feira, 15 de agosto de 2017

Triste...

... Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se
-Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E quando haja rochedos e erva...
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja...


Fernando Pessoa

Encontrei...

Conquista

Livre não sou, que nem a própria vida
Mo consente.
Mas a minha aguerrida
Teimosia
É quebrar dia a dia
Um grilhão da corrente.

Livre não sou, mas quero a liberdade.
Trago-a dentro de mim como um destino.
E vão lá desdizer o sonho do menino
Que se afogou e flutua
Entre nenúfares de serenidade
Depois de ter a lua!


Miguel Torga

Listening now...