1. "Os mercados" começaram a habituar-se a fazer aquilo que, ainda não há muitas semanas, era um exclusivo dos eleitores: mudar governos.
Na Grécia, a "salvação nacional" inclui até a extrema-direita e foi entregue a Lucas Papademos, um ex- -vice-presidente de Jean-Claude Trichet no Banco Central Europeu (BCE). Mas se esse nome tivesse falhado, as alternativas seriam fornecidas ou pela União Europeia, ou pelo provedor Nikiforos Diamantouros ou por um director do Fundo Monetário Internacional, Panagiotis Roumeliotis. Ou seja, a solução viria sempre da troika de credores.
Em Itália está agora Mario Monti à frente de um Governo em que não há nenhum político, só tecnocratas: economistas e outros! Curiosidade: Monti, como Mario Draghi, o novo presidente do BCE, trabalhou na consultora Goldman Sachs, além de ser membro da Trilateral, o movimento neoliberal fundado por David Rockefeller e do comité directivo do Grupo Bilderberg.
Em Portugal, como se sabe, o descalabro das finanças públicas também jogou um papel determinante na queda de Sócrates, assim como em Espanha antecipou a saída de Zapatero, e em ambos os casos patrocinando mudanças partidárias de sinal contrário (aqui ao lado todas as sondagens apontam para a vitória folgada, talvez com maioria absoluta, do PP de Rajoy sobre o PSOE de Rubalcaba, nas eleições de amanhã).
Na República da Irlanda já se passara uma primeira situação de mudança política a reboque do empréstimo internacional, cuja origem foi o descalabro da banca.
Estes são os factos.
2. Estamos perante uma nova realidade, delimitada pelos governos, pela banca e pelos organismos internacionais da alta finança, nos quais o indivíduo, no futuro - pode especular-se -, porventura irá escolher mais pela vontade demonstrada como investidor individual (quando existe capacidade para isso) do que como cidadão-eleitor.
Podemos, numa altura destas, começar a praticar a diabolização dos mercados (sobretudo se quisermos esquecer que uma parte destes mercados somos nós, e as nossas escolhas) e a temer pelo futuro da democracia tal e qual a conhecemos até aqui.
Este, no entanto, ainda é, em primeiro lugar, o tempo para reflectirmos sobre a qualidade das pessoas que têm sido geradas pelas máquinas partidárias um pouco por toda a Europa e que nos temos permitido eleger para governar, independentemente de qualquer défice e do acumular das dívidas.
Não precisamos de ir ao puzzle conhecido por Itália e a esse personagem menor chamado Silvio Berlusconi. Em Portugal, os processos judiciais - mas não só - têm mostrado à evidência a qualidade pessoal de muitas das pessoas que têm constituído a vida pública portuguesa nas últimas décadas. Sendo injusto tomar essa parte pelo todo, é claro, a miséria humana salta à vista, tanto na política como no mundo dos negócios. Só não percebe quem não quer.
3. As mudanças políticas na Europa têm sido produzidas num determinado sentido nas últimas semanas. Na sua génese há uma lógica perigosa que merece ser monitorizada pela cidadania.
Devemos convir, no entanto, quando assistimos aos factos atrás descritos, que eles foram precedidos por muita irresponsabilidade, de governos e de países.
"Os mercados" não fizeram mal nenhum à Finlândia, à Holanda e à Áustria, por exemplo, para já nem falar na Alemanha.
Onde há responsabilidade, sentido de Estado e uma vida colectiva dentro dos parâmetros da riqueza criada, não tem havido problema com os mercados.
Essa é a outra verdade.
A revolta das pessoas no Norte de África e Médio Oriente e as mudanças na Europa fazem, ambas, parte de um processo de "limpeza" do pessoal dirigente e, tendo naturezas diferentes, têm muito mais em comum do que aquilo que se poderá notar à primeira vista...
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