... atrasada, mas não deixa de ser actual...
Subtilezas político-humorísticas
 
 
 
Ricardo Araújo Pereira
Subtilezas político-humorísticas
A grande diferença entre o povo italiano e o povo português é que os  italianos votaram num palhaço e os portugueses votaram numa anedota. Eles  elegeram o criador, nós elegemos a criatura. Tanto política como  humoristicamente, a escolha dos italianos parece mais sensata. O palhaço sempre  pode ir inventando piadas novas, ao passo que a anedota não muda. E, quanto mais  conhecemos uma anedota, menos graça lhe achamos. 
Miguel Relvas começou muito cedo a transformar-se numa anedota. Houve várias  trapalhadas a propósito de jornalistas despedidos, de um senhor dos serviços  secretos que ele não conhecia embora trocassem mails, sms e almoçassem juntos,  de uma licenciatura que, em termos curriculares, é difícil de distinguir do  ensino secundário. O problema das anedotas é que começam a cansar, deixam de ter  piada, mas não podem ser demitidas. Um palhaço pode ser despedido. Uma anedota,  não. Sorte dos italianos, azar o nosso. 
Sendo Miguel Relvas o responsável pela coordenação política do Governo, é  apenas natural que o Governo tenha vindo a governar de forma cada vez mais  anedótica. É uma anedota bastante rudimentar, mas não há dúvida de que se trata  de uma anedota. O Governo faz uma previsão: vem a realidade e dá-lhe com uma  tarte na cara. O Governo garante que não é preciso pedir mais tempo: vem a  realidade e dá-lhe com uma tarte na cara. O Governo concebe um orçamento para um  ano: ao fim de 50 dias vem a realidade e dá-lhe com uma tarte na cara. Talvez  não seja bem isto. O Governo falha e a realidade dá-nos com uma tarte na cara a  nós. Assim é que é.
Entretanto, um número ainda não apurado de pessoas continua a manifestar-se  contra a anedota. Enfim, será gente sem sentido de humor. Mas as pessoas, num  número que oscila entre as muitas e as mesmo muitas, estão, no fundo, a  manifestar-se contra uma anedota. Algumas manifestam-se anedoticamente, como o  Movimento dos Reformados Indignados, que se indigna e consegue gerar indignação  quase na mesma medida, o que é admirável.
De acordo com os relatos, aqueles que se manifestaram no passado sábado não o  fizeram anedoticamente. Pelo contrário, impressionavam por estarem tristes. É  possível que tenham percebido que não adianta uma pessoa manifestar-se contra  uma anedota. A única maneira de vencer uma anedota velha e sem graça é inventar  uma nova. Mas a verdade é que ninguém parece estar com disposição para rir.
Ricardo Araújo Pereira
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