Acordo
ortográfico: acabar já com este erro antes que fique muito caro
Porém, começa a haver um outro problema: os custos de insistirem no acordo. A inércia é cara e no caso do acordo todos os dias fica mais cara. A ideia dos seus defensores é criar um facto consumado o mais depressa possível. É esta a única força que joga a favor do acordo, a inércia que mantém as coisas como estão e que implica custos para o nosso défice educativo e cultural.
José Pacheco Pereira no Público
O acordo ortográfico é uma decisão política e como tal deve ser
tratado. Não é uma decisão técnica sobre a melhor forma de escrever português,
não é uma adaptação da língua escrita à língua falada, não é uma melhoria que
alguém exigisse do português escrito, não é um instrumento de cultura e
criação.
É um acto político falhado na área da
política externa, cujas consequências serão gravosas principalmente para
Portugal e para a sua identidade como casa-mãe da língua portuguesa. Porque, o
que mostra a história das vicissitudes de um acordo que ninguém deseja, fora os
governantes portugueses, é que vamos ficar sozinhos a arcar com as
consequências dele.
O acordo vai a par do crescimento facilitista da ignorância, da
destruição da memória e da história, de que a ortografia é um elemento
fundamental, a que assistimos todos os dias. E como os nossos governantes,
salvo raras excepções, pensam em inglês “economês”, detestam as humanidades, e
gostam de modas simples e modernices, estão bem como estão e deixam as coisas
andar, sem saber nem convicção.
O mais espantoso é que muitos do que atacaram o “eduquês”
imponham este português pidgin,
infantil e rudimentar, mais próximo da linguagem dos sms, e que nem sequer
serve para aquilo que as línguas de contacto servem, comunicar. Ninguém que
saiba escrever em português o quer usar, e é por isso que quase todos os
escritores de relevo da língua portuguesa, sejam nacionais, brasileiros,
angolanos ou moçambicanos, e muitas das principais personalidades que têm
intervenção pública por via da escrita, se recusam a usá-lo. As notas de pé de
página de jornais explicando que, “por vontade do autor”, não se aplicam ao seu
texto as regras da nova ortografia são um bom atestado de como a escrita “viva”
se recusa a usar o acordo. E escritores, pensadores, cronistas, jornalistas e
outros recusam-no com uma veemência na negação que devia obrigar a pensar e reconsiderar.
Se voltarmos ao lugar-comum em que se transformou a frase
pessoana de que a “minha pátria é a língua portuguesa”, o acordo é um acto
antipatriótico, de consequências nulas no melhor dos casos para as boas
intenções dos seus proponentes, e de consequências negativas para a nossa
cultura antiga, um dos poucos esteios a que nos podemos agarrar no meio desta
rasoira do saber, do pensar, do falar e do escrever, que é o nosso quotidiano.
Aos políticos que decidiram implementá-lo à força e “obrigar” tudo
e todos ao acordo, de Santana Lopes a Cavaco Silva, de Sócrates a Passos
Coelho, e aos linguistas e professores que os assessoraram, comportando-se como
tecnocratas – algo que também se pode ter do lado das humanidades, normalmente
com uma militância mais agressiva até porque menos "técnicas" são as
decisões –, há que lembrar a frase de Weber que sempre defendi como devendo ser
inscrita a fogo nas cabeças de todos os políticos: a maioria das suas acções
tem o resultado exactamente oposto às intenções. O acordo ortográfico é um
excelente exemplo, morto pelo “ruído” do mundo. O acordo ortográfico nas
suas intenções proclamadas de servir para criar uma norma do português escrito,
de Brasília a Díli, passando por Lisboa pelo caminho, acabou por se tornar irritante
nas relações com a lusofonia, suscitando uma reacção ao paternalismo de querer
obrigar a escrita desses países a uma norma definida por alguns linguistas e
professores de Lisboa e Coimbra.
O problema é que sobra para nós, os aplicantes solitários da
ortografia do acordo. O acordo, cuja validade na ordem jurídica nacional é
contestável, que nenhum outro país aprovou e vários explicitamente rejeitaram,
só à força vai poder ser aplicado. A notícia recente de que, nas provas – que
acabaram por não se realizar – para os professores contratados, um dos
elementos de avaliação era não cometerem erros de ortografia segundo a norma do
acordo mostra como ele só pode ser imposto por Diktat, como suprema forma de uma engenharia
política que só o facto de não se querer dar o braço a torcer explica não ser
mudado.
Porém, começa a haver um outro problema: os custos de insistirem no acordo. A inércia é cara e no caso do acordo todos os dias fica mais cara. A ideia dos seus defensores é criar um facto consumado o mais depressa possível. É esta a única força que joga a favor do acordo, a inércia que mantém as coisas como estão e que implica custos para o nosso défice educativo e cultural.
José Pacheco Pereira no Público
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