Água mole em pedra dura,
enche a galinha o papo. (a BMW, a Sra. Merkel e a lixívia e a EDP)
Nicolau do Vale Pais
Já sabe do caso pré-escandaloso do financiamento da
vitoriosa CDU pela BMW, a propósito das passadas eleições da República
Democrática Alemã? É uma peça de jornalismo magnífica, devo dizer, que - para
infortúnio dos accionistas que detêm as empresas de média que fazem a agenda
portuguesa - não foi por cá devidamente vendida. Têm razão aqueles que, a
norte, nos tratam por frívolos: trata-se de um caso de protecção e privilégio
de um sector da actividade industrial em detrimento de outros, de uma filosofia
de construção - a alemã - em detrimento de outra - a francesa, por exemplo.
Vamos lá falar de poder.
Parece que a famosa fábrica da Baviera - ou os seus donos
ou accionistas ou lá o que são - decidiu doar uma pipa de massa, na ordem dos
690.000 euros, à CDU; a Sra. Merkel (que não mente, nem precisa, já que ninguém
lhe pergunta nada) já admitiu a coisa, o que deve ter deixado alguns dos nossos
patrícios descansados, sobretudo os do Governo. Daqui adianto: podem mesmo
descansar todos, néscios do mundo, que não há quem meta estas
"minudências" na agenda de uma vez por todas, para que se possa
finalmente começar a falar de responsabilidade, de governo, de economia. Até
lá, estes industriais do endividamento alheio vão continuar a mandar: numa
altura em que a União Europeia se preparava para - em nome dos nossos pulmões,
das nossas cidades e da onerosíssima política do automóvel particular - obrigar
os fabricantes de automóveis a baixar as emissões, eis que surge este lobby,
pressionando para protelar o prazo de tais medidas. Lobby?! Ai, desculpem,
lobby, não: "potentado industrio-económico" e "colosso
europeu", pois claro.
Em termos de poupanças em importações de petróleo para os
países da União, estavam em causa 70 mil milhões de euros por ano, algo próximo
do custo total do programa de resgate português; são números da consultora
Cambridge Econometrics (diz a Reuters citada pelo "Público"). Sim,
porque a nossa minorca tragédia não é nada comparada com a dimensão do real
negócio que é o cinismo Europeu, promovido a farsa ardente pelos anónimos
mercados e a opacidade doentia do comércio global. Com certeza que quem vende
petróleo gosta cada vez mais de tudo isto; o problema é que "isto"
somos "nós"; nós, endividados. A coisa está de tal ordem que ainda
vamos ver os chineses da Geely (proprietária da Sueca Volvo) enervados à séria;
nessa altura, quando virmos um homem de negócios chinês a dar lições de política
ambiental a um "líder" europeu, perceberemos, de uma vez por todas,
que a Europa é mesmo um saco de gatos, e que só poderia acabar alagada na
tempestade que semeou.
Entretanto, a montante do problema do euro, na baixa
Europa, corporações como a Daimler (detentora da Mercedes), estão obrigadas a
puxar de toda a inteligência e poder de compra para manter a sua
"corporate identity" intacta, entre suspeitas de promiscuidade
político-empresarial na Grécia, cliente que em 2009, à porta da falência,
comprou 6,7 mil milhões de euros de exportações alemãs. Um
"fakelaki", em grego, é um envelope pequeno, usado para passar trocos
escondidos para a mão de um médico ou de um polícia; "miza", por sua
vez, é dinheiro que não cabe num envelope, grandes somas, sem as quais até há
pouco não era possível aceder ao mundo dos negócios na economia grega. Veja no
"link" abaixo a peça que o "Der Spiegel" publicou em Maio
de 2010 e teça as suas considerações: de acordo com a "US Securities and
Exchange Commission", e só para citar um exemplo, a fabricante alemã
Daimler pagou "miza" ao longo dos últimos anos "para abrir
caminho para a venda e entrega dos seus veículos na Grécia".
Nós por cá - que somos o país da União cujos cidadãos mais
rendimento disponível têm de despender para pagar a luz - também temos o que os
responsáveis pela agenda mediática continuam a achar que merecemos. "Há
muita coisa que não deveríamos ter querido" admitiu, referindo-se às PPP
rodoviárias, numa comissão parlamentar de inquérito, o ex-ministro das Obras
Públicas, hoje Presidente da EDP. Pois claro, nada como puxar da vontade
colectiva para justificar o escrúpulo duvidoso do ensejo e responsabilidade
individuais; não, esta não é uma acusação, nem sequer uma insinuação. Como
Merkel, a António Mexia basta-lhe admitir a verdade. E a política energética -
central ao desenvolvimento económico do planeta - não é nunca para ali chamada.
Entretanto, exactamente no mesmo espaço económico, mas não
necessariamente no mesmo espaço mediático, a classe média já não pode nem
cheirar esse luxo, o de dizer a verdade. E enquanto não descamba o voto para a
extrema-mentira, seguimos mentindo a nós mesmos, a fazer de conta que o
ambiente não importa; regressamos à lixívia para poder lavar mais branco, mesmo
que a baixas temperaturas e fugir do massacre dos monopólios. Água mole em
pedra dura, enche a galinha o papo; grão a grão tanto dá, até que fura.
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