quinta-feira, 14 de março de 2013

Uma leitura um pouco...

... atrasada, mas não deixa de ser actual...

Subtilezas político-humorísticas

A grande diferença entre o povo italiano e o povo português é que os italianos votaram num palhaço e os portugueses votaram numa anedota. Eles elegeram o criador, nós elegemos a criatura. Tanto política como humoristicamente, a escolha dos italianos parece mais sensata. O palhaço sempre pode ir inventando piadas novas, ao passo que a anedota não muda. E, quanto mais conhecemos uma anedota, menos graça lhe achamos.
Miguel Relvas começou muito cedo a transformar-se numa anedota. Houve várias trapalhadas a propósito de jornalistas despedidos, de um senhor dos serviços secretos que ele não conhecia embora trocassem mails, sms e almoçassem juntos, de uma licenciatura que, em termos curriculares, é difícil de distinguir do ensino secundário. O problema das anedotas é que começam a cansar, deixam de ter piada, mas não podem ser demitidas. Um palhaço pode ser despedido. Uma anedota, não. Sorte dos italianos, azar o nosso.
 
Sendo Miguel Relvas o responsável pela coordenação política do Governo, é apenas natural que o Governo tenha vindo a governar de forma cada vez mais anedótica. É uma anedota bastante rudimentar, mas não há dúvida de que se trata de uma anedota. O Governo faz uma previsão: vem a realidade e dá-lhe com uma tarte na cara. O Governo garante que não é preciso pedir mais tempo: vem a realidade e dá-lhe com uma tarte na cara. O Governo concebe um orçamento para um ano: ao fim de 50 dias vem a realidade e dá-lhe com uma tarte na cara. Talvez não seja bem isto. O Governo falha e a realidade dá-nos com uma tarte na cara a nós. Assim é que é.
 
Entretanto, um número ainda não apurado de pessoas continua a manifestar-se contra a anedota. Enfim, será gente sem sentido de humor. Mas as pessoas, num número que oscila entre as muitas e as mesmo muitas, estão, no fundo, a manifestar-se contra uma anedota. Algumas manifestam-se anedoticamente, como o Movimento dos Reformados Indignados, que se indigna e consegue gerar indignação quase na mesma medida, o que é admirável.
 
De acordo com os relatos, aqueles que se manifestaram no passado sábado não o fizeram anedoticamente. Pelo contrário, impressionavam por estarem tristes. É possível que tenham percebido que não adianta uma pessoa manifestar-se contra uma anedota. A única maneira de vencer uma anedota velha e sem graça é inventar uma nova. Mas a verdade é que ninguém parece estar com disposição para rir.

Ricardo Araújo Pereira

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