sábado, 26 de outubro de 2013

Um artigo de opinião…

Água mole em pedra dura, enche a galinha o papo. (a BMW, a Sra. Merkel e a lixívia e a EDP)

Já sabe do caso pré-escandaloso do financiamento da vitoriosa CDU pela BMW, a propósito das passadas eleições da República Democrática Alemã? É uma peça de jornalismo magnífica, devo dizer, que - para infortúnio dos accionistas que detêm as empresas de média que fazem a agenda portuguesa - não foi por cá devidamente vendida. Têm razão aqueles que, a norte, nos tratam por frívolos: trata-se de um caso de protecção e privilégio de um sector da actividade industrial em detrimento de outros, de uma filosofia de construção - a alemã - em detrimento de outra - a francesa, por exemplo. Vamos lá falar de poder.

Parece que a famosa fábrica da Baviera - ou os seus donos ou accionistas ou lá o que são - decidiu doar uma pipa de massa, na ordem dos 690.000 euros, à CDU; a Sra. Merkel (que não mente, nem precisa, já que ninguém lhe pergunta nada) já admitiu a coisa, o que deve ter deixado alguns dos nossos patrícios descansados, sobretudo os do Governo. Daqui adianto: podem mesmo descansar todos, néscios do mundo, que não há quem meta estas "minudências" na agenda de uma vez por todas, para que se possa finalmente começar a falar de responsabilidade, de governo, de economia. Até lá, estes industriais do endividamento alheio vão continuar a mandar: numa altura em que a União Europeia se preparava para - em nome dos nossos pulmões, das nossas cidades e da onerosíssima política do automóvel particular - obrigar os fabricantes de automóveis a baixar as emissões, eis que surge este lobby, pressionando para protelar o prazo de tais medidas. Lobby?! Ai, desculpem, lobby, não: "potentado industrio-económico" e "colosso europeu", pois claro.

Em termos de poupanças em importações de petróleo para os países da União, estavam em causa 70 mil milhões de euros por ano, algo próximo do custo total do programa de resgate português; são números da consultora Cambridge Econometrics (diz a Reuters citada pelo "Público"). Sim, porque a nossa minorca tragédia não é nada comparada com a dimensão do real negócio que é o cinismo Europeu, promovido a farsa ardente pelos anónimos mercados e a opacidade doentia do comércio global. Com certeza que quem vende petróleo gosta cada vez mais de tudo isto; o problema é que "isto" somos "nós"; nós, endividados. A coisa está de tal ordem que ainda vamos ver os chineses da Geely (proprietária da Sueca Volvo) enervados à séria; nessa altura, quando virmos um homem de negócios chinês a dar lições de política ambiental a um "líder" europeu, perceberemos, de uma vez por todas, que a Europa é mesmo um saco de gatos, e que só poderia acabar alagada na tempestade que semeou.

Entretanto, a montante do problema do euro, na baixa Europa, corporações como a Daimler (detentora da Mercedes), estão obrigadas a puxar de toda a inteligência e poder de compra para manter a sua "corporate identity" intacta, entre suspeitas de promiscuidade político-empresarial na Grécia, cliente que em 2009, à porta da falência, comprou 6,7 mil milhões de euros de exportações alemãs. Um "fakelaki", em grego, é um envelope pequeno, usado para passar trocos escondidos para a mão de um médico ou de um polícia; "miza", por sua vez, é dinheiro que não cabe num envelope, grandes somas, sem as quais até há pouco não era possível aceder ao mundo dos negócios na economia grega. Veja no "link" abaixo a peça que o "Der Spiegel" publicou em Maio de 2010 e teça as suas considerações: de acordo com a "US Securities and Exchange Commission", e só para citar um exemplo, a fabricante alemã Daimler pagou "miza" ao longo dos últimos anos "para abrir caminho para a venda e entrega dos seus veículos na Grécia".

Nós por cá - que somos o país da União cujos cidadãos mais rendimento disponível têm de despender para pagar a luz - também temos o que os responsáveis pela agenda mediática continuam a achar que merecemos. "Há muita coisa que não deveríamos ter querido" admitiu, referindo-se às PPP rodoviárias, numa comissão parlamentar de inquérito, o ex-ministro das Obras Públicas, hoje Presidente da EDP. Pois claro, nada como puxar da vontade colectiva para justificar o escrúpulo duvidoso do ensejo e responsabilidade individuais; não, esta não é uma acusação, nem sequer uma insinuação. Como Merkel, a António Mexia basta-lhe admitir a verdade. E a política energética - central ao desenvolvimento económico do planeta - não é nunca para ali chamada.

Entretanto, exactamente no mesmo espaço económico, mas não necessariamente no mesmo espaço mediático, a classe média já não pode nem cheirar esse luxo, o de dizer a verdade. E enquanto não descamba o voto para a extrema-mentira, seguimos mentindo a nós mesmos, a fazer de conta que o ambiente não importa; regressamos à lixívia para poder lavar mais branco, mesmo que a baixas temperaturas e fugir do massacre dos monopólios. Água mole em pedra dura, enche a galinha o papo; grão a grão tanto dá, até que fura.
 
Nicolau do Vale Pais
 
 

 

 

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